Está se encerrado no próximo domingo (26/09) a excelente edição da revista Lições Bíblicas da CPAD do terceiro trimestre deste ano, comentada brilhantemente pelo pastor Claiton Pommerening. Ela resultou em reflexões riquíssimas a cada domingo na exposição das aulas na Escola Dominical onde congregamos, de maneira que todos fomos muito abençoados; além de ter dado a oportunidade de certas dúvidas históricas e bíblicas serem tiradas. Três domingos atrás, por exemplo, quando a lição 9 era ministrada, a qual tratou sobre o cativeiro do Reino do Norte, alguns irmãos tinham dúvidas sobre qual o paradeiro final de todos os membros das Dez Tribos após a invasão da Assíria em 722 a.C. O assunto da lição oportunizou essa discussão, de maneira que a dúvida de alguns irmãos em relação a esse tema pôde ser esclarecida. Na época, como alguns irmãos em minha igreja ficaram interessados em ter algo detalhado por escrito sobre aquilo que fora explicado, cheguei a escrever um texto tratando detalhadamente sobre o assunto. O texto é o que se segue, que compartilho aqui aos leitores de minha coluna, uma vez que as dúvidas de alguns em determinado lugar podem ser as mesmas de outros irmãos em outros lugares.
I – Uma grande parte foi retirada do seu território e enviada à Assíria, com outros povos sendo trazidos para o território das Dez Tribos:
“Até que o Senhor tirou a Israel de diante da sua presença, como falara pelo ministério de todos os seus servos, os profetas; assim foi Israel expulso da sua terra à Assíria até ao dia de hoje. E o rei da Assíria trouxe gente de Babilônia, de Cuta, de Ava, de Hamate e Sefarvaim, e a fez habitar nas cidades de Samaria, em lugar dos filhos de Israel; e eles tomaram a Samaria em herança, e habitaram nas suas cidades” (2 Reis 17.23,24).
II – Por que afirmamos que apenas “uma grande parte” foi levada à Assíria, se o texto supracitado de 1 Reis 17 dá aparentemente a entender que o povo que habitava o território das Dez Tribos foi todo tirado de lá?
 
1) Primeiro, porque, além de o texto de 2 Reis 17 não falar direta e claramente que todas as tribos foram retiradas 100% do território, mas mencionar apenas genericamente “Israel” sendo expulso da sua terra, o que pode significar tanto todas as Dez Tribos saindo por inteiro como apenas grande parte do povo delas saindo, vemos que o livro de 1 Crônicas é mais específico em relação aos que foram retirados, mencionando apenas, em seu levantamento histórico sobre todas as Doze Tribos (capítulos 1 a 9 de 1 Crónicas) as tribos de Ruben e de Gade e a meia tribo de Manassés como tendo sido levadas mesmo em grande quantidade para a Assíria:
“Por isso o Deus de Israel suscitou o espírito de Pul, rei da Assíria, e o espírito de Tiglate-Pilneser, rei da Assíria, que os levaram presos, a saber: os rubenitas e gaditas, e a meia tribo de Manassés; e os trouxeram a Hala, e a Habor, e a Hara, e ao rio de Gozã, até ao dia de hoje” (1 Crônicas 5.26).
2) Segundo, porque o texto bíblico vai dizer claramente, em várias passagens, que havia muitos remanescentes das Dez Tribos habitando ainda no território do Reino do Norte mesmo depois do fim do Reino do Norte, os quais iam cultuar e ofertar a Deus no Reino do Sul. O texto bíblico afirma ainda que esses remanescentes das tribos do norte viviam, inclusive, muito preocupados com o estado de seus parentes que foram levados cativos pelos assírios. Vejamos:
 
A) Afirma o texto bíblico que, anos após a destruição do Reino do Norte pela Assíria, durante o avivamento espiritual ocorrido no reinado de Ezequias no Reino do Sul (que começou a reinar sete anos após a destruição do Reino do Norte), havia ainda na região israelitas remanescentes das Dez Tribos:
 
“O rei Ezequias enviou uma mensagem a todo o Israel e Judá e escreveu cartas para o povo de Efraim e Manassés. Convidou todos a virem ao templo do Senhor em Jerusalém para celebrar a Páscoa do Senhor, o Deus de Israel. […] Assim, fizeram uma proclamação em todo o Israel, desde Berseba, ao sul, até Dã, ao norte, convidando todos a virem a Jerusalém para celebrar a Páscoa do Senhor, o Deus de Israel. Fazia tempo que essa festa não era celebrada por um grande número de pessoas, como a lei exigia. Por ordem do rei, mensageiros foram enviados a todo o Israel e Judá. Levavam cartas que diziam: “Ó israelitas, voltem para o Senhor, o Deus de Abraão, Isaque e Israel, para que ele se volte para nós, os poucos que sobrevivemos à conquista pelos reis assírios. Não sejam como seus antepassados e parentes que foram infiéis ao Senhor, o Deus de seus antepassados, e se tornaram objeto de desprezo, como vocês mesmos podem ver. Não sejam teimosos, como eles foram, mas submetam-se ao Senhor. Venham a este templo que ele consagrou para sempre. Adorem o Senhor, seu Deus, para que sua ira ardente se desvie de vocês. Pois, se voltarem para o Senhor, seus parentes e seus filhos [exilados na Assíria] serão tratados com bondade por aqueles que os capturaram e voltarão a esta terra. Pois o Senhor, seu Deus, é cheio de graça e compaixão. Não os rejeitará se voltarem para ele”. Os mensageiros foram de cidade em cidade em Efraim e Manassés e até o território de Zebulom, mas a maioria do povo riu e zombou deles. Contudo, alguns de Aser, Manassés e Zebulom se humilharam e vieram a Jerusalém” (2 Crônicas 30.1,5-11, NVT).
B) A mesma informação de que havia remanescentes das Dez Tribos habitando na região se vê ainda anos mais à frente, mais precisamente 90 anos depois da destruição do Reino do Norte, no avivamento espiritual no reinado de Josias. Claramente o texto bíblico diz que havia remanescentes das Dez Tribos ali que participaram do avivamento de Josias (os colchetes são meus):
“No oitavo ano de seu reinado [por volta do ano 632 a.C., ou seja, 90 anos após a destruição do Reino do Norte], enquanto ainda era jovem, [Josias] começou a buscar o Deus de seu antepassado Davi. Então, no décimo segundo ano, começou a purificar Judá e Jerusalém, destruindo os santuários idólatras, os postes de Aserá, os ídolos esculpidos e as imagens de metal. Deu ordens para que fossem destruídos os altares de Baal e despedaçados os altares de incenso que ficavam acima deles. Também ordenou que os postes de Aserá, os ídolos esculpidos e as imagens de metal fossem despedaçados e espalhados sobre os túmulos daqueles que lhes haviam oferecido sacrifícios. Queimou os ossos dos sacerdotes idólatras sobre seus próprios altares e, com isso, purificou Judá e Jerusalém. Fez a mesma coisa nas cidades de Manassés, Efraim e Simeão, e até na distante Naftali, bem como nas ruínas ao seu redor. Destruiu os santuários idólatras e os postes de Aserá, reduziu os ídolos a pó e despedaçou todos os altares de incenso em toda a terra de Israel. Por fim, voltou a Jerusalém. No décimo oitavo ano do reinado de Josias, depois de ele purificar a terra e o templo, nomeou Safã, filho de Azalias, Maaseias, governador de Jerusalém, e Joá, filho de Joacaz, o historiador do reino, para restaurarem o templo do Senhor, seu Deus. Eles entregaram ao sumo sacerdote Hilquias a prata recolhida pelos levitas que guardavam as portas do templo de Deus. As ofertas foram trazidas pelo povo de Manassés, de Efraim e de todo o remanescente de Israel, bem como de Judá e de Benjamim, e pelos habitantes de Jerusalém” (2 Crônicas 34.3-9).
III – Os próprios registros extrabíblicos históricos e arqueológicos confirmam tudo isso.
1) Na Wikipedia (para citar uma fonte acessível a todos), em seu verbete “Samaritanos”, encontramos um resumo da perspectiva histórica e arqueológica que se tem hoje sobre o tema baseada em tudo o que já foi encontrado até hoje a respeito desses acontecimentos (os itálicos são meus):
“Os arqueólogos recuperaram uma boa parte dos arquivos do Império Assírio. As crônicas assírias de Sargão II, o rei que venceu o Reino de Israel, afirmam: ‘Cerquei e ocupei a cidade da Samaria, e levei comigo 27.280 dos seus habitantes como cativos. Tomei-lhes 50 carros, mas deixei-lhes o resto das suas coisas’. Alguns tradutores não estão de acordo quanto ao significado exato de ‘cidade de Samaria’, considerando que o texto original não esclarece se se trata da cidade ou do Estado da Samaria. Há, no entanto, um ponto em comum com o II Livro de Reis: a deportação dos israelitas. Mas há também uma diferença importante: o número de deportados. Segundo o livro bíblico de II Reis, toda ou quase toda a população foi deportada; segundo Sargão, foi apenas uma minoria. Os arqueólogos estimam que o Reino da Samaria teria 200.000 pessoas, de acordo com as cidades e aldeias reencontradas. Sabe-se que ocorreu uma primeira deportação dez anos antes, quando o rei assírio Tiglat-Falasar III conquistou a Galileia. O total das duas deportações atinge cerca de 40.000 pessoas, ou seja, apenas 20% do total dos habitantes, essencialmente a elite. Os historiadores acreditam que certos israelitas do norte teriam partido também como refugiados para o Reino de Judá. A implantação de colonos estrangeiros é indicada várias vezes no resto do texto, mas a propósito de outras conquistas. Esta política de implantação era comum e, por conseguinte, foi provavelmente também feita em Samaria, como o indica o livro de II Reis. Na localidade de Gezer e nos seus arredores encontraram-se textos cuneiformes do século VII a.C. contendo nomes babilônicos. A transladação de populações estrangeiras na Samaria (pelo menos em certas zonas) encontra-se assim atestada. Contudo, a arqueologia revela que este repovoamento está longe de ter sido maciço. As cerâmicas, inscrições, aldeias etc mostram uma continuidade com o período anterior. O Livro de Jeremias afirma que 150 anos após a queda do Reino do Norte os israelitas do norte apresentaram oferendas no Templo de Jerusalém”(*)
(*) O texto de Jeremias ao qual se refere esse comentário é o de Jeremias 41.5, episódio que, mais precisamente, deve ter ocorrido por volta de 587 a.C., isto é, 135 anos – e não 150 anos – após a destruição do Reino do Norte. O episódio em apreço mostra, após a invasão caldeia, alguns poucos remanescentes das tribos do norte, moradores de Siló, Siquém e Samaria, se dirigindo em luto aos escombros da Casa do Senhor, entristecidos pela destruição do Templo, levando em suas mãos ofertas e incenso. Alguns deles acabam sendo mortos pelos remanescentes de Judá na região, os quais lhes roubam “tesouros, trigo, cevada, azeite e mel”. Esses remanescentes de Judá no território depois decidem, contra a orientação dada por Deus através do profeta Jeremias, deixar sua terra rumo ao Egito.
2) Ainda na Wikipedia, lemos no verbete em inglês “Kingdom of Israel (Samaria)” o que se segue (os colchetes e itálicos são meus):
“Em seu livro The Bible Unearthed [“A Bíblia Desenterrada”], os autores Israel Finkelstein e Neil Asher Silberman estimam que apenas um quinto da população (cerca de 40.000) foi realmente reassentada fora da área [do Reino do Norte] durante os dois períodos de deportação sob Tiglath-Pileser III e Sargão II. Muitas das tribos do norte também fugiram para o sul, para Jerusalém, que parece ter se expandido cinco vezes durante este período, exigindo a construção de um novo muro e uma nova fonte de água em Siloé fornecida pelo rei Ezequias. […] Não existe nenhum registro não-bíblico conhecido dos assírios que exilaram pessoas de Dã, Aser, Issacar, Zebulom ou Manassés ocidental. As descrições [no registro não-bíblico] da deportação de pessoas de Rúben, Gade, Manassés de Gileade [isto é, a metade oriental de Manassés], Efraim e Naftali [veja que as três primeiras tribos batem com o registro bíblico em 1 Crônicas 5.26] indicam que apenas uma parte dessas tribos [isto é, uma parte das Dez Tribos] foi deportada e os locais para os quais foram deportados são locais conhecidos fornecidos nos relatos. As comunidades deportadas são mencionadas como ainda existentes na época da composição dos Livros de Reis e Crônicas e não desapareceram por assimilação. 2 Crônicas 30.1-18 menciona explicitamente os israelitas do norte que foram poupados pelos assírios, em particular o povo de Efraim, Manassés, Aser, Issacar e Zebulom, e como os membros dos últimos três voltaram a adorar no Templo em Jerusalém durante o reinado de Ezequias”.
IV – Quando o povo de Judá foi para o exílio, grande parte desses remanescentes das Dez Tribos que ainda estavam no território de Israel foram levados juntos cativos para Babilônia com seus irmãos do Reino do Sul; e depois, findo o exílio, muitos voltaram à terra juntamente com os descendentes das tribos do sul, como ressalta, por exemplo, o autor das notas da Bíblia de Estudo Pentecostal, o teólogo Donald Stamps, em seu comentário sobre 2 Reis 17.18 (os colchetes são meus):
O Reino do Sul consistia na tribo de Judá, parte das tribos de Benjamin e de Simeão, e alguns membros das dez tribos de Israel que tinham migrado para o Reino do Sul a fim de adorarem a Deus em Jerusalém (ver 2Cr 19.4; 30.1,10,11,25,26; 34.5-7; 35.17,18). Dessa maneira, o povo de Judá [formado por esse combinado] tornou-se aquele através do qual continuou o concerto que Deus fizeram com o povo hebreu. Note que descendentes das tribos de Israel estavam presentes na Palestina nos tempos do Novo Testamento (At 26.7; cf. Lc 2.36; Fp 3.5; Tg 1.1)”.
Mais à frente, no tópico XVI desta exposição, veremos que a afirmação de Stamps está em consonância com o que afirma, por exemplo, a Enciclopédia Judaica.
V – A Bíblia afirma que, quando os judeus voltaram do exílio babilônico, não só o povo que pertencia do Reino do Sul voltou do exílio, mas também grande parte do povo que pertencia às demais tribos:
“O povo de Judá foi exilado na Babilônia por causa de sua infidelidade. Os primeiros exilados a regressar a suas propriedades em suas respectivas cidades foram os sacerdotes, os levitas, os servidores do templo, além de outros israelitas. Alguns membros das tribos de Judá, Benjamim, Efraim e Manassés se estabeleceram em Jerusalém” (1 Crônicas 9.1-3, NVT).
VI – O profeta Ezequiel menciona a existência de um livro de “registros da Casa de Israel” durante o exílio para se saber quem não havia se misturado ou se corrompido e poderia voltar para a terra após o exílio (Ezequiel 13.9). Lembrando que a expressão “Casa de Israel” se refere sempre às Doze Tribos.
VII – Já na lista da primeira leva dos que voltaram para terra após o exílio, encontrada em Esdras 2 e Neemias 7, vê-se que não apenas famílias de antigos moradores das tribos do sul voltaram para a terra, mas também famílias de antigos moradores de cidades das tribos do norte que não haviam se misturado, como, por exemplo, “homens de Betel” e “homens de Jericó e Ai”. Lembrando que os israelitas espalhados – sejam os de famílias oriundas do outrora Reino do Sul, sejam os de famílias oriundas do outrora Reino do Norte – continuaram voltando para sua terra com o passar do tempo.
VIII – As profecias de Isaías, Jeremias e Ezequiel dizem que não só o povo de Judá voltaria do exílio, mas o povo das demais tribos também, e a profecia de Isaías ainda cita o paradeiro desses desterrados do antigo Reino do Norte na sua época (logo, seu paradeiro não era desconhecido). É verdade que alguns detalhes dessas profecias apontam sobretudo para o fim dos tempos, para a restauração final de Israel, mas o importante aqui é notar que as Dez Tribos não são tratadas como desaparecidas:
“E há de ser que naquele dia o Senhor tornará a pôr a sua mão para adquirir outra vez o remanescente do seu povo, que for deixado, da Assíria, e do Egito, e de Patros, e da Etiópia, e de Elã, e de Sinar, e de Hamate, e das ilhas do mar. E levantará um estandarte entre as nações, e ajuntará os desterrados de Israel, e os dispersos de Judá congregará desde os quatro confins da terra” (Isaías 11.11,12).
“E haverá caminho plano para o remanescente do seu povo, que for deixado da Assíria, como sucedeu a Israel no dia em que subiu da terra do Egito” (Isaías 11.16).
“Há muito tempo, o Senhor disse a Israel: “Eu amei você com amor eterno, com amor leal a atraí para mim. Eu a reconstruirei, Israel, minha filha virgem; você voltará a ser feliz e a dançar alegremente com seus tamborins. Voltará a plantar suas videiras nos montes de Samaria e ali comerá de seus frutos. Virá o dia em que os vigias gritarão da região montanhosa de Efraim: ‘Venham, vamos subir a Sião para adorar o Senhor, nosso Deus!’”. Assim diz o Senhor: “Cantem de alegria por causa de Israel, pois ela é a maior das nações! Cantem alegres louvores, dizendo: ‘Ó Senhor, salva teu povo, o remanescente de Israel!’. Pois eu os trarei de volta do norte e dos confins da terra. Não me esquecerei dos cegos nem dos aleijados, nem das grávidas nem das mulheres em trabalho de parto; uma grande multidão voltará! Virão com lágrimas de alegria, e eu os conduzirei para casa com grande cuidado. Andarão junto a riachos tranquilos e em caminhos planos, onde não tropeçarão. Pois eu sou o pai de Israel, e Efraim é meu filho mais velho” (Jeremias 31.3-9).
“Diga-lhes: ‘Assim diz o Senhor Soberano: Pegarei Efraim e as tribos do norte, suas irmãs, e as juntarei a Judá. Farei delas um só pedaço de madeira em minha mão’. Em seguida, segure diante do povo os pedaços de madeira que você gravou, para que todos os vejam, e transmita esta mensagem do Senhor Soberano: Reunirei meu povo de Israel dentre as nações onde foram espalhados e os trarei de volta para sua terra. Eu os reunirei em uma só nação nos montes de Israel. Um único rei os governará, e não serão mais divididos em duas nações nem em dois reinos. Nunca mais se contaminarão com ídolos, nem com imagens detestáveis, nem com qualquer de suas rebeliões, pois eu os salvarei de sua apostasia pecaminosa. Sim, eu os purificarei; então eles serão o meu povo, e eu serei o seu Deus. Meu servo Davi será seu rei, e eles terão um só pastor. Seguirão meus estatutos e terão o cuidado de guardar meus decretos” (Ezequiel 37:19-24).
IX – A existência continuada das Dez Tribos é afirmada durante todo o período do Segundo Templo: (1) em escritos judaicos do período interbíblico; (2) no Talmude; (3) no Novo Testamento; e (4) no historiador judeu Flávio Josefo, que viveu no primeiro século da Era Cristã. Em Tobias, este é descrito como um membro da tribo de Naftali; no Testamento dos 12 Patriarcas e na quinta visão do apócrifo IV Esdras (13.34-45), as Dez Tribos são mencionadas como ainda existentes. E Flávio Josefo afirma em Antiguidades Judaicas, XI, 133, que em seus dias “as Dez Tribos” – uma referência aos membros das Dez Tribos que não voltaram à terra de Israel com o povo de Judá após o fim do exílio babilônico – “estão além do Eufrates até agora, e são uma multidão imensa e não devem ser estimadas em número”.
X – No Novo Testamento, vemos Ana, a profetisa, sendo mencionada como sendo “da tribo de Aser” (Lucas 2.36); o apóstolo Paulo, em seu discurso a Agripa, cita as Doze Tribos como existentes e conhecidas em seus dias (Atos 26.7), e o mesmo faz o apóstolo Tiago (Tiago 1.1); Jesus disse que Seus apóstolos se assentariam em “doze tronos para julgar as doze tribos de Israel” (Mateus 19.28); Ele disse também que veio primeiro para “procurar as ovelhas perdidas da Casa de Israel” (Mateus 10.6); Pedro dirige seu sermão no Dia de Pentecostes à multidão ali reunida em Jerusalém como sendo composta de representantes de “toda a Casa de Israel” (Atos 2.36); e Pedro e Paulo tratavam os judeus do primeiro século sempre como sendo formados por representantes de toda a Casa de Israel (Atos 3.12; 4.8,10,27; 5.21,31,35; 10.36; 13.23,24; 21.28; 28.20).
XI – Em relação à organização étnica da Palestina nos dias de Jesus, é importante destacar que os da Judeia e os da Galileia eram israelitas de fato, exceto os de Samaria, que eram judeus mestiços. O estresse dos da Judeia em relação aos da Galileia era apenas porque aqueles consideravam estes mais rústicos e menos fervorosos na fé (João 7.50-52). Os galileus eram judeus vistos como menos fervorosos pelos seus irmãos da Judeia devido a eles serem mais voltados para o comércio do que para a vida religiosa. Isso se deve ao fato de sua região ser cortada por várias estradas que favoreciam o comércio dos judeus ali com a Arábia, a Síria e o Egito. Devido à grande presença de comerciantes estrangeiros na região e porque os judeus ali viviam mais preocupados com o comércio, estes eram vistos como menos aplicados na fé. Não por acaso, um dos provérbios judaicos nos dias de Jesus era “Se queres riquezas, vai para o norte [Galileia]; se queres sabedoria, vai para o sul [Judeia]”. A Galileia era a parte mais próspera, mas o Templo, o Sinédrio e as classes educadas estavam na Judeia. E a expressão “Galileia dos Gentios” (Isaías 9.1)? Ela foi usada nos dias do profeta Isaías para designar aquela região por ela ser, nos dias do profeta, habitada por muitos gentios devido ao projeto de ocupação gentílica do território das Dez Tribos implementado pela Assíria ao destruir o Reino do Norte. Porém, sete séculos depois, nos dias de Jesus, a região da Galileia já havia passado por um processo intenso de recolonização por parte dos israelitas, o qual se intensificou ainda mais após a anexação desse território ao governo de Herodes Antipas (4 d.C. – 39 d.C), o que se deu no início de seu governo. Portanto, o relativo preconceito que havia entre os da Judeia em relação aos da Galileia não tinha nada a ver com impureza étnica, mas com preconceitos entre irmãos étnicos relativos a características regionais. Ambos os grupos eram vistos como etnicamente puros, israelitas de fato, rechaçando conjuntamente os samaritanos por sua impureza étnica. Vide os discípulos de Jesus. Dos 12 apóstolos originais de Cristo, 11 eram galileus, com só Judas Iscariotes sendo da Judeia, e eles, por serem israelitas, não se davam com os samaritanos (Lucas 9.52-56), detalhe que foi levado em conta por Jesus em um primeiro momento, quando enviou Seus discípulos pela primeira vez para pregar a mensagem do Reino de Deus pela Palestina (Mateus 10.5-7).
XII – Na tradição rabínica do Talmude, os rabinos Eliezer e Akiva – ambos do primeiro século da Era Cristã e grandes referências do Judaísmo Ortodoxo – divergiam de visão sobre o futuro dos membros das Dez Tribos que não voltaram para sua terra, com Akiva achando que esse restante das Dez Tribos que não retornou com Judá do exílio não retornaria novamente; e Eliezer afirmando que, sim, esse restante voltaria completamente para o território de Israel no futuro, sendo esta a posição majoritária no Judaísmo Ortodoxo hoje, devido sobretudo às profecias de Isaías, Jeremias e Ezequiel.
 
XIII – Portanto, havia quatro grupos dos descendentes das Dez Tribos após o exílio:
1) Aqueles que foram levados cativos pela Assíria, preservaram sua identidade, mas permaneceram no estrangeiro mesmo após a liberação do Império Medo-Persa para o povo hebreu voltar à sua terra; estes formaram comunidades que adoravam a Deus reunindo-se todos os sábados em sinagogas e vindo a Jerusalém anualmente para celebrar uma ou mais das festas sagradas como todos os demais judeus espalhados faziam (Lembrando que apenas uma minoria dos judeus, tanto do Reino do Sul quanto do Reino do Norte, voltaram para Palestina após a permissão do Império Medo-Persa);
2) Aqueles que foram levados cativos pela Assíria, preservaram sua identidade e voltaram à sua terra – juntamente com alguns irmãos do outrora Reino do Sul – após a liberação do Império Medo-Persa para o povo hebreu voltar à sua região;
3) Aqueles que, após a destruição do Reino do Norte, permaneceram no seu território, mas se misturaram com os povos das demais nações trazidos para seu território pelos assírios, formando os chamados samaritanos;
4) Aqueles que permaneceram no seu território após a destruição do Reino do Norte e não se misturaram com as nações pagãs trazidas à sua terra, cultuavam em Jerusalém e foram levados cativos para Babilônia juntamente com seus irmãos do Reino do Sul, voltando depois à terra junto com eles.
XIV – Um detalhe muito importante, mas muitas vezes esquecido sobre esse assunto, é que, com a destruição de Jerusalém no ano 70 d.C., outra vez os israelitas se dispersaram em sua grande maioria, de maneira que não apenas se tinha agora o restante das Dez Tribos dispersas, que não voltaram para a terra com os outros israelitas pós-exílio, mas também a maioria esmagadora dos judeus que haviam voltado para Israel se espalhou também (pertencentes a todas as tribos), de maneira que todos os judeus que têm voltado para a sua terra desde o início do Movimento Sionista no século 19 até os dias de hoje são descendentes de todas as tribos. Esses judeus que voltaram à sua terra nos últimos 200 anos são todos descendentes das Doze Tribos espalhadas pelo mundo – só não dá para saber hoje com precisão a tribo qual cada um pertenceria (Ver tópico XIX).
XV – Não procede, portanto, o chamado “Mito das Dez Tribos Perdidas”, que deu origem a algumas seitas na Inglaterra, Estados Unidos e Japão, por exemplo, que acreditam que essas tribos deram origem a outros povos, os quais seriam, por exemplo, os anglo-saxões (mito do anglo-israelismo) e os japoneses. Já houve quem acreditasse também que os afegãos, os nômades citas e os astecas eram descendentes das tribos perdidas, mas estudos históricos (no caso dos citas e astecas) e exames de DNA (no caso dos afegãos) desfizeram essas lendas. As Dez Tribos não deram origem a outros povos. Elas estão no sangue dos judeus espalhados pelo mundo.
XVI – O próprio Judaísmo considera oficialmente a narrativa das “Dez Tribos Perdidas” como mito. Em seu verbete “TRIBOS PERDIDAS, AS DEZ”, a Enciclopédia Judaica assevera – após considerar como sem substância as várias teorias relacionadas a esse mito, como as de que os anglo-saxões e os japoneses são descendentes das Dez Tribos – que “é fato historicamente comprovado que alguns membros das Dez Tribos permaneceram na Palestina, onde, à exceção dos samaritanos, alguns de seus descendentes preservaram por muito tempo a identidade judaica; uma parte foi assimilada enquanto que outros foram provavelmente absorvidos pelos últimos exilados da Judeia que em 597-586 foram deportados para áreas adjacentes ao lugar de exílio das Dez Tribos (Média, Assíria e Mesopotâmia)” (KOOGAN, Abraham e ROSS, Roger (editores), Enciclopédia Judaica, volume 3 (M-Z), Rio de Janeiro: Editora Tradição, 1967, p. 1171).
XVII – Quanto à comunidade judaica etíope que foi trazida para Israel principalmente em duas levas, uma em 1984, na “Operação Moisés”, e outra em 1991, na “Operação Salomão”, ambas executadas pelo Mossad (o serviço secreto israelense), ela é, sim, muito provavelmente, descendente das tribos do norte (Daqui a pouco explicarei a razão dessa convicção, que não é minha, mas de muitos especialistas). A questão é que às vezes esquecemos que, assim como esses judeus etíopes, havia e há muitas comunidades de judeus espalhadas pelo mundo, algumas desde antes de Cristo e outras após a destruição de Jerusalém em 70 d.C., e todas remanescentes das Doze Tribos e mantendo minimamente as suas tradições. A maioria delas nunca voltou à sua terra – há muito mais judeus fora de Israel do que em Israel. A comunidade judaica etíope era apenas uma delas, assim como havia durante séculos várias outras comunidades judaicas na Europa, por exemplo. A comunidade etíope não era uma comunidade perdida e desconhecida. E sua existência independente dentro da Etiópia, como acontece com tantas outras comunidades judaicas pelo mundo, só evidencia o fato de que os descendentes das Doze Tribos não deram origem a nenhuma nova nação ou povo, mas viveram em comunidades independentes – algumas mais sólidas que outras – entre as nações para onde vieram. Devido à crise social na Etiópia e à restauração do Estado de Israel, a comunidade judaica etíope, conhecida há séculos, quis voltar à Palestina, mas o governo comunista da Etiópia daquela época (1974-1991) era contra, daí as duas operações secretas do Mossad em 1984 e 1991. A convicção de que essa comunidade é, sim, uma remanescente direta das tribos do Norte se deve a dois fatos históricos: primeiro, o fato de que o próprio texto bíblico menciona a Etiópia como um dos destinos de membros das Dez Tribos que se dispersaram após a destruição do Reino do Norte e que foi profetizado que voltariam de lá para Israel um dia (Isaías 11.11,12); e segundo, porque os registros etíopes afirmam que havia ali uma comunidade que seguia o Judaísmo desde a época da relação entre Salomão e a rainha de Sabá, que, segundo a tradição etíope, teve um filho com Salomão, filho este que a sucedeu no trono de Sabá e teria criado essa comunidade. Logo, muitos dos israelitas do Norte, após a invasão da Assíria, foram para a Etiópia. Nos dias do Novo Testamento, lemos de um judeu etíope que era alto funcionário da corte de seu país sendo evangelizado por Filipe enquanto lia o Livro de Isaías quando voltava de uma das festas sagradas judaicas anuais em Jerusalém (Atos 8.26-28). Portanto, a comunidade judaica etíope era uma comunidade cuja identidade tribal era mais fácil de identificar, pelos muitos registros históricos. Os historiadores acreditam, inclusive, que esses israelitas do norte que foram para a Etiópia e se uniram aos descendentes do filho da rainha de Sabá com Salomão eram especialmente da tribo de Dã.
XVIII – Em Apocalipse, há a menção a 144 mil judeus fieis a Deus durante a Grande Tribulação que são listados em suas quantidades e organizados em 12 grupos correspondentes à sua filiação às 12 tribos de Israel, de onde cada grupo procede (Ap 7.4-8). Efraim e Dã são as únicas tribos que não são citadas nesse texto de Apocalipse, mas José é mencionado como tribo no lugar de Efraim, que era filho de José, e Dã é substituída pelos levitas, que originalmente não tinham um território só seu, mas viviam em vilas no meio do território das 12 tribos originais.
 
XIX – Hoje, é muito difícil saber a qual tribo pertence originalmente um judeu, até porque os judeus se misturaram entre si com o tempo. Os membros da tribo de Levi foram os únicos que, na história, preservaram mais sua linhagem tribal, conseguindo guardar mais referências para que seus membros sejam identificados hoje (Por exemplo, o uso do sobrenome “Cohen”). Quanto às demais tribos, não é possível um judeu hoje saber com exatidão a qual delas pertencia seus ascendentes, mas há cientistas que dizem ser possível no futuro, através de estudos históricos e genealógicos mais aprofundados somados a exames genéticos, descobrir a linhagem tribal de grande parte dos judeus. Só sabemos que em Apocalipse os descendentes das Doze Tribos têm sua identidade tribal conhecida (Ap 7.4-8).
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Silas Daniel

Silas Daniel é pastor, jornalista, chefe de Jornalismo da CPAD e escritor. Autor dos livros “Reflexão sobre a alma e o tempo”, “Habacuque – a vitória da fé em meio ao caos”, “História da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil”, “Como vencer a frustração espiritual” e “A Sedução das Novas Teologias”, todos títulos da CPAD, tendo este último conquistado o Prêmio Areté da Associação de Editores Cristãos (Asec) como Melhor Obra de Apologética Cristã no Brasil em 2008.

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